Burnout provoca demissão em massa de pastores nos EUA

Burnout provoca demissão em massa de pastores nos EUA

Na semana passada, um interlocutor compartilhou comigo o desabafo de um pastor presbiteriano dos EUA que começa assim:

"No último domingo, preguei meu último sermão como pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Arlington Heights (um subúrbio de Chicago). Tomei a decisão de não apenas deixar meu cargo como líder da equipe pastoral, mas de abandonar o pastorado por completo. Já não tenho o desejo de servir como pastor na igreja."

Ele não está sozinho. Em 2022, 42% dos pastores e pastoras dos Estados Unidos pensaram em abandonar sua função e quase metade daqueles com até 45 anos considerou essa possibilidade. Os dados são do Barna Group, um instituto que pesquisa fé e cultura.

Esse fenômeno vem sendo chamado de "The Great Pastor Resignation" (ou "A Grande Onda de Demissão de Pastores" em tradução livre). Tornou-se mais conhecido quando o The New York Times publicou uma entrevista com Dan White Jr, um ex-pastor que hoje coordena um centro para receber pastores vivendo crises de burnout.

White pastoreava uma igreja batista pequena no estado de Nova York quando foi diagnosticado com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), o mesmo quadro neurológico de quem vive por muito tempo em zonas de guerra.

A rotina de pastores evangélicos inclui mais do que a atuação como palestrantes de suas igrejas e mestres de cerimônia em batismos, casamentos e velórios. Eles administram suas comunidades de fé, supervisionam atividades, são responsáveis pela arrecadação de fundos, ficam disponíveis para membros que queiram falar sobre seus problemas e ainda devem manter um comportamento exemplar. Na prática, é como se fossem empregados de todos os membros da igreja.

Além desses estresses, que já existiam antes, surgiram novos. Os muitos escândalos noticiados pela mídia afetaram a imagem pública dos pastores. Em vez de serem vistos como pessoas que oferecem cuidado, hoje são percebidos com desconfiança. "Eu tinha muita idealização em relação ao meu trabalho," conta White, "e comecei a ter vergonha de contar que era pastor.”

Mas a tensão nas igrejas se multiplicou por causa da polarização política e da pandemia de Covid-19. Membros da mesma comunidade deixaram de chamar uns aos outros de irmãos e irmãs em Cristo para se referirem uns aos outros como “comunista”, “fascista” ou “assassino de bebês”. "Percebemos que as redes sociais, as notícias e a disputa política têm tido mais impacto na formação e orientação de nossas congregações do que nossos próprios sermões," avalia White.

Brasil e EUA têm se espelhado nos últimos 10 anos em relação à polarização e à influência de evangélicos no campo político e, especialmente, pelo impacto em eleições presidenciais. Interlocutores contam sobre as feridas que as últimas eleições abriram entre membros de igrejas e sobre pastores que enfrentam ansiedade e o temor de desapontar e serem julgados por seus pares e congregantes. Mas não temos dados sobre o fenômeno e igrejas evitam falar publicamente sobre pastores abandonando suas funções.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Juliano Spyer é antropólogo, pesquisador do Cecons/UFRJ, autor de Povo de Deus (Geração 2020) e criador do Observatório Evangélico.