Bloqueio cognitivo

Bloqueio cognitivo
Créditos: ANDRÉ RIBEIRO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Na semana passada, a Quaest divulgou que a desaprovação do governo Lula 3 entre evangélicos continua aumentando, chegando a 62%. Por que o governo reluta para se aproximar desse segmento, que representa mais de um terço dos brasileiros e possui uma forte presença na indústria da comunicação, no universo político e nas artes?

Minha melhor explicação é que a esquerda em geral tem um bloqueio cognitivo em relação a esses religiosos. Racionalmente, eles entendem a importância do assunto, mas têm dificuldades em transformar essa compreensão em ação.

Em uma entrevista recente para a TV Brasil, a deputada e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, concluiu uma fala ponderada sobre evangélicos de maneira infeliz. Ela afirmou enfaticamente que “pastores muitas vezes mentem… e esses vão para o inferno mesmo!” Fiquei imaginando como evangélicos de igrejas periféricas interpretariam essa fala, que parece generalizante.

Resumindo: o PT aprendeu a negociar pragmaticamente com o Centrão, mas ainda não consegue fazer o mesmo com os evangélicos, pois não sabe distinguir quem é quem nesse universo. Preferem tratar o conservador no campo dos costumes como inimigo, em vez de vê-lo como diferente.

Em uma conversa com o jornalista Carlos Tramontina, do Flow, mencionei que o PT parece querer ter o campo evangélico como sua amante. Eles querem por perto, mas não assumem o relacionamento, com medo do que seus eleitores pensarão. Nos governos Lula 1 e 2, essa abordagem pareceu funcionar para líderes importantes como Edir Macedo e Silas Malafaia, mas hoje ela é insuficiente.

Considerando esse cenário, vamos fazer uma análise simples com os dados disponíveis até o momento sobre a pré-campanha presidencial daqui a dois anos. Bolsonaro, possivelmente inelegível e talvez até preso, mobiliza principalmente a ala mais radical e aguerrida dos eleitores de direita.

Tarcísio de Freitas, governador do estado mais rico da União, possivelmente o primeiro nome na linha de sucessão, tem um perfil mais moderado e, por isso, se comunica com eleitores ao centro, que buscam um conservador sem a agressividade do ex-presidente.

Completando a chapa, Michelle Bolsonaro entra como vice. Ela foi fundamental na campanha de 2022, terá passado três anos consolidando a relação do PL com mulheres em todo o país. E mobiliza o voto de evangélicas, que também rejeitaram mais o bolsonarismo.

Se o governo Lula 3 continuar sendo mal avaliado, pode-se dizer, no mínimo, que essa possível candidatura é bastante competitiva. E não haverá desfecho mais oportuno para o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu clã do que voltar ao governo em apenas 4 anos, relativamente jovem e muito popular.

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Juliano Spyer é antropólogo, pesquisador do Cecons/UFRJ, autor de Povo de Deus (Geração 2020) e criador do Observatório Evangélico.