“Beyond Brazilian Day”: Sobre Os Evangélicos Brasileiros Em Nova Iorque

“Beyond Brazilian Day”: Sobre Os Evangélicos Brasileiros Em Nova Iorque

Guardadas todas as ressalvas possíveis, não é por acaso que Nova Iorque é popularmente conhecida como a “capital do mundo”. Considerando a sua região metropolitana, a New York Metropolitan Area (NYMA), conforme o censo de 2020, abriga uma população de aproximadamente 20 milhões de habitantes, constituindo-se de uma das mais populosas metrópoles do mundo. Ademais, possivelmente esse se trata do lugar que melhor sintetiza a - justa - caracterização dos Estados Unidos da América do Norte como o país com a maior diversidade étnica e religiosa do mundo. 

Sobretudo em Nova Iorque, a presença brasileira é significativa. Talvez o primeiro e mais relevante fluxo de imigração de cá para lá (principalmente ilegal e de grupos populares e camadas médias) ocorreu a partir de meados dos anos 1980 devido a grave crise econômica registrada no país a partir do enfraquecimento e queda do regime militar e do Governo Sarney que o sucedeu naquela época. Um marco interessante a respeito dessa presença é a celebração do Brazilian Day que ocorre desde 1984, na primeira semana de setembro, no centro de Manhattan, e que atrai mais de um milhão de pessoas, evento que aumenta ainda mais a visibilidade da cultura brasileira nos Estados Unidos.

Portanto, nesse contexto multicultural estadunidense/novaiorquino, ao longo dos anos, certos aspectos e produtos da cultura brasileira conseguiram se estabelecer, por exemplo: músicas, livros, filmes, novelas, culinárias e, por certo, também igrejas evangélicas. 

Como costuma acontecer em muitos países, as igrejas evangélicas brasileiras tendem a acompanhar as ondas de imigração que saem daqui, muitas dessas motivadas por fortes crises econômicas, como aconteceu em meados dos anos 1980 nesse caso da imigração nacional para Nova Iorque, algo que perdura nos dias atuais, ainda que com menor incidência do que em momentos passados. Isso também não impede que brasileiros fundem suas próprias “denominações brasileiras no exterior”, enquanto imigrantes já estabelecidos.

No contexto de Nova Iorque, por lá estão presentes algumas das grandes denominações pentecostais e neopentecostais brasileiras, notadamente as Assembleias de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus. A esse respeito, não por acaso a história registra ter sido na região da NYMA onde Edir Macedo abriu seu primeiro templo fora do Brasil, em 1986, quando para lá ele próprio havia imigrado na época. Na ocasião, ele declarou que percebia que a Nova Iorque moderna representava para o evangelismo brasileiro o mesmo que Roma na Antiguidade representou para o cristianismo, ou seja, o epicentro para expansão de uma religião global. Com o passar do tempo, outras presenças evangélicas brasileiras foram se desenvolvendo e se estabelecendo na região. 

Assim como pequenos comércios, prestadores de serviço, restaurantes etc., templos ou locais de culto evangélico de origem brasileira se proliferam em Nova Iorque desde a década de 1980, oportunizando uma forte visibilidade e influência da comunidade brasileira na região, pois todos eles costumam estar localizados em locais centrais e identificados pelas fachadas, com nomes brasileiros e ostentando a bandeira do nosso país.

Segundo dados recentes de Donizete Rodrigues, um dos mais importantes observadores mundiais sobre a  presença de igrejas evangélicas brasileiras no exterior, existe mais de 200 locais de culto evangélico de origem brasileira somente em parte da NYMA, notadamente em Manhattan e New Jersey: Astoria/Queens, Newark e Long Island. Evidentemente, esse número não se restringe às grandes denominações que, por óbvio, possuem maior destaque, mas a outras tantas, como, por exemplo, a Igreja Pentecostal Missionária de Língua Portuguesa, fundada e liderada pelo brasileiro Zeny Tinouco, primeiramente, criador de um movimento missionário pentecostal surgido em Brasília, antes da sua imigração, quando, a partir dela, decidiu criar essa igreja como estratégia de expansão internacional.

O que chama muito a atenção a respeito dessas centenas de locais de culto evangélico é o fato de que muitos deles também funcionam como espécies de “centros comunitários para imigrantes brasileiros”, atuando em questões práticas da vida cotidiana e dos desafios enfrentados por eles naquela região. 

Conforme observou Rodrigues, além do apoio espiritual, as igrejas evangélicas brasileiras em Nova Iorque constituem locais onde os imigrantes se encontram, discutem suas necessidades e partilham informações sobre bens e recursos disponíveis na comunidade, também funcionam como pontos de solidariedade onde os fiéis encontram pessoas do mesmo país de origem e outros imigrantes em situação econômica e social semelhante, podendo receber ajuda na obtenção de habitação e emprego, apoio na educação, aulas de inglês, creches e atividades para crianças, grupos de mulheres, cuidados de saúde, coleta e distribuição de alimentos e roupas e, inclusive, amparo legal para questões burocráticas e jurídicas sobre a situação da imigração tendo em vista os Estados Unidos se tratarem de um dos países do Mundo com maior rigor e controle sobre o tema. Ademais, esses locais de culto também abrigam eventos sociais e comemorativos (batismos, casamentos, aniversários, formaturas), facilitando, dessa forma, uma maior interação social dentro da comunidade de fiéis.

Em diversas experiências transnacionais observáveis, como essa de Nova Iorque, os evangélicos brasileiros tendem a socializar-se apenas com evangélicos, preferencialmente também brasileiros ou de língua portuguesa. Portanto, nesse conjunto de diversificadas e intensas atividades na igreja, ela acaba se tornando o centro primordial da vida social desses imigrantes e de suas famílias. Essas pessoas também são cruciais na manutenção dessas igrejas, não apenas as sustentando economicamente mediante o pagamento de dízimos e ofertas, mas, também, servindo como mão-de-obra, mormente voluntária, em diferentes atividades, como: limpeza, administração, prestação de serviços assim por diante.

A maioria dos fiéis brasileiros dessas igrejas presentes em Nova Iorque é composta por pessoas majoritariamente das classes baixa e média, sem formação universitária, sendo que, basicamente, os homens trabalham principalmente na construção civil, em pequenas empresas e como jardineiros e, no caso daqueles que possuem pequenos negócios, esses costumam empregar colegas evangélicos da sua convivência nas igrejas ou por indicação delas. Quanto às mulheres, elas costumam trabalhar em atividades de baixa remuneração, principalmente em serviços domésticos, limpeza de escritórios, salões de beleza e serviços de baby sitter (babá).

Um aspecto que julgamos ser crucial em qualquer movimento de globalização de igrejas evangélicas brasileiras é compreender o que as motiva. Assim, para além de aspectos mais gerais que atravessam muitos projetos missionários, de poder e expansão doutrinária e/ou econômica, costumeiramente, as motivações primevas dessas igrejas costuma dialogar com e se adaptar ao cenário de recepção e essa maleabilidade e caráter adaptativo (dizem alguns, ser algo típico do povo e da cultura do Brasil) são aspectos fundamentais que podem explicar o relativo sucesso da globalização evangélica brasileira pelo mundo.

O exemplo de Nova Iorque é elucidativo nesse sentido. A esse respeito, estudiosos tem ponderado que, para além do trabalho mais específico de apoio religioso aos brasileiros e conversão de nacionais e outros grupos de imigrantes, os líderes das igrejas evangélicas brasileiras justificam estarem empreendidos numa espécie de “missão divina de salvar espiritualmente os Estados Unidos”. Conforme Donizete Rodrigues sinalizou, isso se alimenta por dois motivos principais: a) “a América é um país cristão e predominantemente protestante, mas há um excessivo apego às coisas materiais e ao dinheiro”; b) “milhões de americanos vivem na imoralidade, na promiscuidade sexual, por exemplo, nos direitos dos homossexuais, defendendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e até a defesa e a prática do aborto”, portanto, de acordo com essa visão e “com tais coisas más, eles (a sociedade estadunidense) estão se afastando da palavra de Deus e dos verdadeiros valores cristãos”. 

Dessa forma, o pentecostalismo brasileiro seria uma “onda espiritual de purificação”, isso não apenas para Nova Iorque ou para os Estados Unidos, mas, conforme preconizou Edir Macedo lá atrás, quiçá para todo o mundo.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Marcelo Tadvald é Doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NER - Núcleo de Estudos da Religião, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS). Possui Pós-Doutorado em Antropologia Social pelo Programa Nacional Capes, com pesquisas sobre religião, política e direitos humanos. É autor e organizador de 8 livros, dos quais destaca-se: “Veredas do sagrado: Brasil e Argentina no contexto da transnacionalização religiosa. Porto Alegre: Cirkula, 2015. 1ª. ed. 367p.”, além de inúmeros artigos, capítulos de livros e textos publicados no Brasil e exterior. Também integra os Grupos de Pesquisa do CNPq: “Antropologia e Direitos Humanos” e “Transnacionalização evangélica brasileira para a Europa”. Atua ainda como consultor e assessor de órgãos do Governo Federal e sociedade civil. Contato: marcelotadvald@gmail.com