Barbie, o gospel e a disputa evangélica na indústria cultural

Barbie, o gospel e a disputa evangélica na indústria cultural

Nas últimas semanas, o filme Barbie vem sendo o grande assunto entre os entusiastas de cinema, da moda e da cultura pop. O filme sobre a boneca mais popular do mundo vem levando multidões vestidas à caráter ao cinema e, além da venda de ingressos, tem movimentado o mercado de uma série de produtos: de bonecas infantis ao universo da moda, da estética e dos games.

Para além do entretimento, o filme vem alimentando discussões sobre gênero e empoderamento feminino. Enquanto muitos comemoram que a produção rompa com esteriótipos da mulher submissa e idealizada fisicamente, outros vêem no filme uma propaganda dos ideais de esquerda.

Entre evangélicos, o primeiro grande veículo a reagir foi o site Movieguide, que pediu que cristãos boicotem o filme. A partir de então, vários líderes religiosos, nos EUA e no Brasil, passaram a tecer uma série de críticas à produção. O fato nos levanta a seguinte questão: após ganharem  força na sociedade e na política, qual papel os evangélicos desempenharão na indústria cultural?

O fato de evangélicos condenarem determinadas produções não é novo. Tanto no cinema, quanto na televisão e na música, poderíamos elencar inúmeros exemplos ao longo do tempo. Vale dizer que, em determinadas denominações, por muito tempo, qualquer produção cultural não religiosa foi vista como “mundana” e não recomendada para os fiéis. Nas assembleias de Deus, por exemplo, a própria televisão era condenada.  Com o tempo, essas restrições foram caindo, mas ainda há certa noção compartilhada de que o conteúdo da produção cultural não religiosa muitas vezes é inadequado e corrompe os princípios morais cristãos.

Na música, a classificação “gospel” veio indicar e fomentar produções que trariam conteúdo religioso. Hoje, no Brasil, o segmento gospel é um dos mais ouvidos e ultrapassa, inclusive, os ouvintes dos círculos religiosos. O mesmo, no entanto, não acontece com a mesma intensidade na TV e no cinema, por enquanto. Ainda assim, poderíamos citar um série de produções religiosas na Record, e mesmo na Globo, nas quais já podemos identificar uma preocupação em incorporar visões de mundo e personagens evangélicos nas novelas, por exemplo.

No cinema, recentemente, o filme Notorius vem chamando a atenção de religiosos, tanto evangélicos quanto católicos. A produção retrata a história de um condenado à pena de morte que alega estar possuído pelo demônio e passa pela avaliação de um psiquiatra, que é ateu e progressista. Ao longo do filme, o demônio vai demonstrando como ganha espaço na sociedade atual e como a crença progressista em um suposto avanço civilizacional dos nossos tempos seria uma farsa.

Tudo indica que o choque de valores que as sociedades enfrentam no mundo atual influencie cada vez mais a produção cultural de nosso tempo. Afinal, a arte imita a vida.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.

** Este texto foi publicado originalmente na Carta Capital.


Vinicius do Valle é Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico e professor universitário, atuando na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e na Faculdade Santa Marcelina, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos. Realiza pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).