Anjos de Fuzil: uma etnografia das relações entre pentecostalismo e a vida do crime na favela Cidade de Deus

Conforme noticiamos, ocorreram nesta semana, em São Paulo e em Brasília, sessões de lançamento do livro "Anjos de Fuzil", do sociólogo Diogo Silvia Corrêa. Pedimos ao autor para nos contar sobre o contexto de surgimento do livro e nos apresentar a abordagem desenvolvida.

Anjos de Fuzil: uma etnografia das relações entre pentecostalismo e a vida do crime na favela Cidade de Deus
Crédito: Extra

Conforme noticiou este Observatório, ocorreram nesta semana, em São Paulo e em Brasília, sessões de lançamento do livro "Anjos de Fuzil: uma etnografia das relações entre pentecostalismo e a vida do crime na favela Cidade de Deus", do sociólogo Diogo Silvia Corrêa. Pedimos ao autor para nos contar sobre o contexto de surgimento da pesquisa que resultou no livro e para nos apresentar brevemente a abordagem desenvolvida. Segue abaixo sua resposta.
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Inicialmente, meu projeto, de cunho mais teórico, buscava tratar de casos de transformação de vida em quatro esferas diferentes: desengajamento militante, transição de gênero, mudança de profissão e conversão religião. A ideia era realizar um estudo comparativo desses processos de transformação, verificar quais as possíveis semelhanças e diferenças entre eles.

No entanto, durante a pesquisa do meu doutorado (o livro é fruto de uma tese de doutorado), Daniel Cefai, que viria a se tornar um co-orientador da minha tese, disse que o projeto era interessante, mas excessivamente teórico. Por isso, ele, que é um ex-filósofo convertido à etnografia, sugeriu, na época, que eu tratasse de mudanças de vida, não a partir de uma comparação mais geral, mas que eu o fizesse com base num trabalho de campo  (ou, como o próprio Cefai definiu no título de um livro por ele organizado, num engajamento etnográfico).

De volta ao Brasil, decidi então que realizaria a pesquisa dentro desse enfoque, e escolhi a favela Cidade de Deus como território a ser estudado. Ajudou muito o fato de eu ter um amigo, morador daquela área, que conheci em 2002 por ocasião de um debate sobre o filme Cidade de Deus, ainda quando cursava a graduação em ciências sociais.

Iniciei meu engajamento etnográfico em 2011, concentrando minha atenção em duas questões sociológicas que me pareciam particularmente relevantes para o contexto brasileiro. Uma primeira era o crescimento dos evangélicos no país, que vinha ocorrendo progressivamente desde a década de 1940, crescimento este muito acentuado na década de 1990. Uma segunda questão dizia respeito ao surgimento da figura dos ex-traficantes, pensados não como pessoas que deixaram uma determinada prática na vida do crime, mas sobretudo como pessoas que haviam mudado de vida a partir da conversão religiosa. Minha proposta, portanto, foi compreender como tais questões se entrelaçam no território da Cidade de Deus.

Com o auxílio de meu amigo, cujo nome fictício na tese é Beija-flor, comecei a frequentar a Cidade de Deus. Logo de cara, encontrei uma igreja evangélica cuja particularidade casou com minha proposta de pesquisa etnográfica. Era uma Assembleia de Deus cujo ministério tinha como particularidade ter um dos ex-chefes do tráfico de drogas na região como membro. Não apenas ele, mas diversos ex-traficantes, companheiros dele no crime, também haviam se convertido e/ou estavam ligados àqueles ministério.  Esse foi o contexto que deu origem ao meu livro "Anjos de Fuzil: uma etnografia das relações entre pentecostalismo e a vida do crime na favela Cidade de Deus".

Apresentando uma síntese do livro, eu diria que é um trabalho que aborda, a partir de três escalas analíticas, a relação de coabitação e interpenetração entre o pentecostalismo e o crime, duas formas de vida que, embora não exclusivas, compõem o território da favela Cidade de Deus.

Em minha etnografia, procurei mostrar de que forma a coabitação entre essas duas formas de vida produz uma espécie de interpenetração, na qual o tráfico se pentecostaliza, ao passo que o pentecostalismo adquire um estilo em
sua relação com a vida no crime e o contexto de violência.

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