“Academia cristã” reflete tendência perigosa de uma sociedade de guetos

“Academia cristã” reflete tendência perigosa de uma sociedade de guetos

Na semana passada o assunto do lançamento da academia Sou Mais Cristo, em Curitiba, ganhou as redes e gerou ampla repercussão. Focada no público evangélico, a academia promete um ambiente diferenciado, com “valores da família” e apenas com músicas de louvor durante os treinos (nada de música eletrônica, funks nem traps). 

Um dos jeitos de se observar as igrejas é considerá-las, mais do que como instituições religiosas, como entidades que promovem encontros, prestam serviços e têm finalidade econômica. Nesse sentido, o que vemos com o caso da “academia cristã” é simplesmente a exploração de um nicho de consumo. 

Mas as coisas não são tão simples assim. A “academia cristã”, ainda é uma academia e não uma igreja.  Quando igrejas ocupam espaços públicos elas levam também sua visão normativa e prescritiva a ele. Trazem, portanto uma ideia de sagrado e profano, de justo e pecador - e essas categorias muitas vezes geram hierarquização moral e exclusão daqueles que não comungam os mesmos valores religiosos. 

Ao ir a uma igreja livremente o indivíduo está aceitando fazer parte do ideário e da visão de mundo que permeia aquele espaço. Agora, ao ir nessa academia para exercitar-se, há também a necessidade de validar tal forma de enxergar e estar no mundo. 

“Mas há diversas outras academias!”, alguns poderão dizer. É verdade, mas o problema é justamente essa segregação religiosa que é imposta. Estamos abandonando muito rápido e fácil a ideia de que os espaços públicos devem ser de todos. E estamos criando uma sociedade cada vez mais de guetos. 

Isso é péssimo para a democracia.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Vinicius do Valle é Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico e professor universitário, atuando na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e na Faculdade Santa Marcelina, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos. Realiza pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss)