A Periferia esta dividida: até onde vai a influência do bolsonarismo pastoral?
Fazia um tempo em que não tinha o privilégio de cultuar em uma igreja de comunidade. É onde a fé pulsa, com menos espaço para a hipocrisia religiosa. Não há como não se emocionar com gente que luta para sobreviver tendo na fé cristã o seu grande arrimo. Sim, a nossa Galileia dos Gentios, a periferia cristã, a mesma que por vezes reluta em aceitar o uso desta tecnologia social chamada “jeitinho brasileiro”, tantas vezes desenganada e desacreditada, encontrou na fé um convite à superação.
É neste território que muitos teóricos dizem que o bolsonarismo encontrou guarida tendo como porta de entrada as igrejas evangélicas. Se parece ser correto pensar na influência do pensamento de extrema-direita a partir de pastores, tal leitura se faz contingente em estruturas eclesiásticas piramidais, onde a figura do bispo e das franquias, ou mesmo filiais de igreja, possuem proeminência.
Nas comunidades eclesiásticas periféricas e autônomas, cujos líderes não estão vinculados visceralmente às suas convenções, há certo frescor democrático, pelo menos no campo político-partidário, já que a democracia, como tal, ainda não chegou naqueles territórios. Há uma abertura para o reconhecimento das políticas de inclusão social dos governos do PT; uma abertura para aceitar lideranças que apoiaram o PT. É um povo que tem memória e que não sofre do esquecimento social da classe média, a mesma que passou a visitar a Disney nos governos do PT, coisa que também parece atingir os líderes do partido que ajudou a colocar novamente no poder.
Foi isso que vi em Camaçari, na Bahia, no último sábado. Um povo sabido que contrasta com o estereótipo do povo manipulado. Estamos falando de quem passou fome. De quem lembra, e por esta razão não mais esquece, de quem socorreu, de quem estendeu a mão no contexto de maior privação.
Antes que alguém faça alguma objeção, a experiência acima não se trata de uma amostragem, mas de um exemplo, o qual ilustra o que as pesquisas indicaram nas últimas eleições: as camadas sociais mais baixas da população penderam para o voto em Lula. Sim, meus queridos e queridas, a esperança e a salvação vem da periferia. É nela que está a superação do bolsonarismo. Não foi exatamente isso que a encarnação de Jesus Cristo nos ensinou?
Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é mestre e doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. É Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.