A opção evangélica por Bolsonaro (III): os novos processos

A opção evangélica por Bolsonaro (III): os novos processos

O que explica a opção evangélica pelo bolsonarismo? Seguimos buscando e apresentando alguns fatores que podem indicar a adesão evangélica ao bolsonarismo. Caminhamos pelo aspecto mais pragmático, isto é, pelos modos de como se constrói (ou percebe) a vivência religiosa, não chegando a ser propriamente falando, uma fenomenologia da religião. Nesse ponto de nossa conversa, chegamos ao que chamo de novos processos, que nada mais são que engendradas formas que visam estabelecer uma tendência hegemônica dentro de um grupo religioso, mesmo que seja diverso como o batista.

Pode parecer surpresa para alguns, mas o que se tem hoje de maioria bolsonarista no seio evangélico brasileiro, como também esse choro, essa saudade pela viúva verde-oliva, não apareceu de uma hora para outra. Foi resultado de uma longa construção, de novos processos que foram implantados.

Muito do sucesso se deve à ruptura do último dique evangélico que mantinha certa sanidade na vivência da fé, assim como preservava o Estado dos estragos de uma eventual enchente religiosa perpassando seus estamentos. Refiro-me a AEVB (Associação Evangélica Brasileira) e à sua então, comprometida, séria e sóbria liderança. Na década de 90, no seu auge, ela se tornou o espaço para preservação e oxigenação da Igreja Evangélica no Brasil. Reputo ao seu equilíbrio a perda do estigma, ao longo da década de 90, que Lula sofreu na campanha de 89, quando pela primeira vez foi demonizado por boa parte da liderança evangélica no Brasil.

A ausência da AVEB e o silenciamento progressivo de seus principais líderes abriu o flanco para a consolidação, por um lado, e surgimento, por outro, de uma liderança desconexa com a realidade do país e, portanto, descomprometida com os principais desafios e questões da nação. Uma liderança que n coxeia entre o silêncio diante da tragédia Ianomâmi e a culpabilização parcial deste povo originário por aquilo que está acontecendo a ele. Liderança que não ergue a voz contra tragédias humanitárias, mas que se pronuncia a tempo e fora de tempo, contra o Ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Aliado ao desvanecimento da AEVB, houve um incremento da participação de organizações fundamentalistas estadunidenses no Brasil, realizando inúmeros congressos e encontros com pastores e líderes, além de fomentar clínicas de “Pregação Expositiva” pelos rincões do país. Ora, a escolha do trato homilético é proposital, uma vez que alcança a predileção de muitos pastores. Trata-se de uma isca. No entanto, ao invés de potencializar a homilética, tais clínicas traziam consigo a doutrinação fundamentalista, que era seu (velado) objetivo principal.

Juntamente ao patrocínio destes eventos maiores ou mesmo a promoção de clínicas menores, iniciou-se a realização de projetos de mentoria pastoral. Conquanto o projeto fosse bom, no sentido de criar grupos de apoio, compartilhamento e confiança mútua para uma liderança solitária e que tange a solidão, na prática tais grupos oscilaram (em parte) entre uma monitoria e uma nova área de doutrinação. Seu aspecto verticalizado, a própria ausência de mentores para os mentores mais destacados, denunciam quão viciado esse processo se tornou.

Em todos estes novos processos está o foco na divulgação e extensa semeadura do fundamentalismo de sotaque (porque do Tio Sam) nas terras brasileiras. O resultado? O cumprimento de uma agenda que traz na sua pauta, o anacrônico combate ao comunismo, o racismo e a misoginia. Qualquer semelhança com os estardalhaços do governo anterior não é mera coincidência. A extrema-direita casou com a igreja fundamentalista e o casal foi morar no Palácio da Alvorada. E não parou por aí. Dentro de mais algum tempo seremos apresentados aos filhos desta união, que certamente despertará a curiosidade de Roman Polanski.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.