A masculinização do púlpito feminino nas comunidades evangélicas

A masculinização do púlpito feminino nas comunidades evangélicas

Não sei se acontece com você, prezado leitor, mas tenho observado com certa estranheza um traço comum às mais influentes pregadoras do nosso país. Chamarei provisoriamente de masculinização do púlpito feminino. Se outrora, o fator de sucesso das pastoras-pregadoras era sua voz melosa, trêmula embebida em choro e gemidos, agora o sucesso é medido pelo timbre grosso, pelo esculacho da figura masculina, e pelos movimentos viris apresentados no gestual da homilia.

Esta constatação me faz pensar algumas coisas.

Primeiramente, se a mulher precisa se tornar como um homem para ter direito de falar e ter sucesso ao falar, não é possível considerar este movimento como uma valorização do feminino, como uma ocupação de visível e importante espaço no meio religioso pelas mulheres. Isto porque não me parece que elas estejam sendo quem elas são, ou pior, foram abertos tais espaços justamente porque tais pregadoras são o que são. No fim é mulher, mas a estética é de homem. Não ameaça o patriarcado na sua versão sacerdotal, antes o reforça. É o sonho de consumo de comunidades de fé marcadas pela castração do feminino: um mulher masculinizada que desfaz dos homens na sua abordagem inicial, para encabrestar as mulheres debaixo de uma submissão cega. Tudo feito por uma (tecnicamente falando) mulher.

Em segundo lugar, projeta-se um ideal de pregador que segue sendo masculinizado. Quanto mais grosso o timbre, mais forte o gestual e mais ogra for a abordagem no púlpito, melhor para tais comunidades. De fato o movimento evangélico vive uma esquizofrenia: pregadoras-macho nos púlpitos; enquanto homens estão gastando os tubos pagando cursos para aprenderem a ser ... HOMENS! Caso da Machonaria, entre outros.

Sou a favor de pastoras. Gosto de ouvir mulheres cheias do Espírito pregarem. Entretanto, me perturba a alma escutar uma pregadora que “fala-grosso”. A plena aceitação de uma mulher por conta do “seu timbre” (e posturas), ideias (muitas das quais embebidas em misoginia), não valoriza o feminino, antes o deprecia. Deus quer falar através das mulheres também, mas do jeito que Ele as fez e não do modo como o mercado gospel dita um padrão.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.