A amnésia petista

A amnésia petista

A ascensão do atual mandato do Partido dos Trabalhadores - PT- é marcada por recorrentes acenos a grupos evangélicos, como uma maneira de estreitar os laços entre o partido e este movimento religioso, que avança constantemente pelo país. Como demonstração de uma possível formação de aliança entre os mesmos, o PT preferiu se aproximar politicamente das pequenas igrejas evangélicas, sobretudo das neopentecostais, sob a justificativas que estas eram as mais presentes nas periferias brasileiras.

Assim, em mais uma estratégia de aproximação com este grupo religioso, o partido realizou dois encontros na cidade do Rio de Janeiro contando com a presença do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e de 27 segmentos evangélicos. Os eventos ocorreram respectivamente em novembro e dezembro de 2023. As reuniões com as lideranças tinham como objetivo fortalecer o assistencialismo efetuado por estas igrejas, possibilitando que as mesmas pudessem encaminhar as inscrições dos beneficiários de seus projetos assistencialistas para os programas sociais tais como o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Cozinha Solidária, entre outros, conforme a necessidade do indivíduo.

É importante salientar, que as igrejas evangélicas participantes dos encontros, eram instituições religiosas de pequeno porte. A escolha desse público se dá pela impossibilidade do partido de formar laços com as igrejas maiores como a Assembleia de Deus e Igreja Universal do Reino Deus, porque elas declararam apoio aos candidatos de direita nas eleições anteriores, principalmente ao ex-Presidente Jair Bolsonaro. Ademais, o fato das igrejas maiores compartilharem da teologia da batalha espiritual, fez com que ecoasse nas mesmas um discurso político e religioso nas eleições de 2022, o qual comparava as disputas entre os candidatos aos cargos políticos, principalmente no que tange à presidência da república, a uma guerra espiritual entre Deus e o diabo. Partindo da premissa o qual Deus era representado por candidatos pertencentes a direita religiosa - sendo o Bolsonaro o principal rosto desta direita por defender uma agenda política pautada nos dogmas evangélicos- e o diabo era simbolizado pela esquerda, em especial o PT, por ser considerado por estas igrejas, um partido que ia na contramão da fé cristã e dos valores da família tradicional brasileira por supostamente defenderem pautas calcadas na expansão da ideologia de gênero no país.

Contudo, um dos fatos que mais chamou atenção sobre a realização do encontro, é que o partido não convidou propositalmente as igrejas evangélicas progressistas, as quais lhe serviram de bases nos momentos mais difíceis da história política do PT. Estas igrejas progressistas foram as responsáveis durante os mandatos dos governos de direita de tentar estabelecer diálogos com fiéis evangélicos de igrejas conservadoras, com objetivo de conscientizá-los da manipulação política de suas lideranças.

Assim, as mesmas ao serem excluídas de poder participar desses eventos, são comitantemente podadas politicamente, sendo substituídas por um novo público-alvo, sendo em grande maioria se mostrou a favor do golpe de 2016 sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff e também possibilitou o fortalecimento da extrema-direita no Brasil ao declarar apoio eleitoral ao ex- presidente Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018 e 2022. O PT se esquece que estas igrejas evangélicas na qual hoje constroem laços com ele, são as mesmas em que um passado não tão distante o repudiava. Nesse novo cenário, as igrejas eleitas como amigas do partido se movem junto em uma perspectiva de interesse, apenas visando a sua própria expansão através dessa aliança política.

Desse modo, o PT blefa, por fingir não entender que esta suposta aliança só existe enquanto for benéfica para as igrejas evangélicas, caso contrário elas serão as primeiras a pular do barco e abandonar o partido. Diante disso, a legitimação da aliança entre PT e lideranças evangélicas, mesmo que sejam de igrejas pequenas, também representam de forma indireta a entrada das mesmas na política, pois elas ao criarem relações com o governo, ganham a possibilidade de negociar e influenciar politicamente o atual mandato do Presidente Lula.

As igrejas evangélicas ao se ligarem com o governo federal, provocam a corrosão do princípio de laicidade, pois acabam ocupando uma posição de destaque no atual governo, se comparado às demais religiões. Portanto, auxiliando no aumento do poderio político evangélico, porque estas passam a pautar com sua influência a agenda política do PT. Além disso, a inserção da presença deste grupo religioso no poder nacional pode representar uma maior abertura para o fortalecimento do conservadorismo no país, tendo em vista que os mesmos tendem a se posicionar de maneira mais hostil a algumas pautas políticas alocadas no campo da esquerda.

Ademais, o governo ao proporcionar que as igrejas evangélicas possam encaminhar beneficiários para os programas sociais, faz com que estas instituições sejam vistas como uma espécie de “central dos programas sociais". Situando as mesmas em uma condição de dupla posicionalidade: público e privada. Porque são instituições privadas desempenhando funções de órgãos públicos. A perda do status de estritamente público em relação aos órgãos responsáveis por coletar os cadastros para os programas sociais, impacta diretamente na visão popular a respeito dos mesmos, que passam a ser associados não somente com o governo federal, mas também com as igrejas responsáveis por encaminhar estas inscrições aos programas sociais.

Além disso, esta duplicidade posicional da igreja evangélica referente aos programas sociais pode fomentar uma noção de clientelismo entre as igrejas e os beneficiários, pois estas instituições religiosas podem direcionar as inscrições dos candidatos aos programas sociais mediante as suas conversões. Para atestar que isso não ocorra, seria necessário a realização de fiscalizações por parte dos órgãos públicos às igrejas evangélicas as quais realizam estes serviços. Sendo que, esta possível relação de clientelismo pode colocar os beneficiários do programa social em posição de meros recebedores de caridade. Dessa forma, gera uma despolitização da importância dos programas sociais e não fomenta uma transformação social de fato. Produzindo assim, apenas uma maquiagem da realidade social, fazendo parecer que o PT está trabalhando para amenizar a pobreza, todavia ele está somente fortalecendo o poder político das igrejas evangélicas, podendo estas no futuro se voltar contra o mesmo.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Mônica Ruiz é antropóloga, mulher preta e evangélica neopentecostal.